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O filme-concerto enquanto modelo de negócio

Já antiga, a inevitável fusão entre cinema, banda desenhada, videojogos e música abriu novas e múltiplas perspetivas à milionária indústria do entretenimento, revitalizando-a enquanto unidade total, bem como às artes individuais que a integram. Expandiram-se modelos de negócio já existentes, criaram-se muitos outros (inovadores na maior parte dos casos), desenvolveram-se novos produtos, serviços e plataformas de produção / distribuição, uns mais efémeros do que outros, num mercado especialmente volátil, exigente e em sistemática mudança, que requer uma adaptação rápida e eficaz por parte dos agentes económicos.

Nesta medida, é certo que a tendência para as salas de cinema exibirem filmes-concerto e / ou documentários musicais não é nova, tendo-se iniciado nos países desenvolvidos nos anos 60. Contudo, na última meia década assistimos a uma significativa expansão deste modelo de negócio. De forma estrategicamente faseada e sequencial, a indústria tende a rentabilizar ao máximo o(s) espetáculo(s) captado(s) em vídeo, recorrendo a diversos formatos e plataformas, mais do que nunca complementares. Mas quais? E como?

- antes de mais, obviamente, através da venda dos ingressos (bem como de toda a panóplia de artigos de merchandise disponível nos locais dos espetáculos) para o(s) evento(s) a filmar;
- em seguida, transacionando os bilhetes de cinema para a exibição do concerto / documentário;
- depois, disponibilizando nos retalhistas físicos e online o respetivo DVD (com frequência acompanhado do respetivo CD áudio), geralmente em versão dupla e normal, com vários extras inéditos;
- logo de seguida, incluindo os filmes / documentários em formato DVD no catálogo de alugueres nos poucos videoclubes físicos ainda existentes, bem como nos sistemas de video on demand (VOD);
- finalmente, lançando os concertos em CD / MP3.

Ora, conhecendo a dedicação dos fãs de Metal ao género, facilmente percebemos que os afortunados que assistiram ao(s) espetáculo(s) não perderão a oportunidade de o(s) recordar no cinema, com centenas de outros fãs, adquirindo também o DVD / CD. Aliás, à semelhança do concerto in loco (mas salvaguardando as respetivas diferenças e níveis de intensidade) o atrativo deste fenómeno cinematográfico reside no facto de proporcionar aos fãs uma nova experiência de convívio e socialização, determinante nos comportamentos do consumidor contemporâneo.

Nesta linha de raciocínio, e abordando especificamente a temática dos filmes-concerto, a transmissão dos espetáculos em direto ou em diferido nos cinemas constitui uma magnífica alternativa para os fãs que não podem assistir às atuações in loco por motivos geográficos, pessoais ou económicos. Mas se a película tiver como atrativo extra o facto de ser realizada em 3D (como o blockbuster U2 3D, dos U2) torna-se ainda mais apetecível, pois o fã / espectador tem uma sensação mais aproximada à de se encontrar no recinto do evento. Ainda assim, a comparação entre ambas as experiências será abusiva, nada se comparando à presença no local do espetáculo. De qualquer forma, se tivermos em atenção que o preço de um ingresso de cinema é entre seis a 10 vezes inferior ao de um espetáculo encontramos bons argumentos para que a exibição cinematográfica ganhe adeptos.

Exibições únicas: modalidade original de faturaçãoO recente conceito de exibições únicas de filmes-concerto ou documentários musicais em dias, salas e países minuciosamente selecionados, como sucedeu nos casos dos documentários Flight 666, dos Iron Maiden; The Big 4, com os Anthrax, Megadeth, Slayer e Metallica; ou Lemmy (filme biográfico sobre a vida e carreira do vocalista / baixista dos Motörhead) constitui, nos casos supra referidos, uma alternativa ao espetáculo e, noutros, um seu complemento, mesmo sabendo que, nessas exibições, o PVP dos bilhetes de cinema é agravado em cerca de 20%. Por oposição ao tradicional conceito de “filme em cartaz”, em que uma película se mantém nos cinemas enquanto a procura de bilhetes o justificar, estas exibições únicas, por vezes com sessões extra (caso de Flight 666 no cinema Alvaláxia, em Lisboa), revelam-se extremamente apetecíveis para o consumidor e para a indústria.

Aliás, o negócio do filme-concerto / documentário subiu um novo grau de ambição tecnológica e financeira quando, a 22 de junho de 2010, as atuações dos Anthrax, Megadeth, Slayer e Metallica em Sofia, capital da Bulgária, no âmbito do Sonisphere Festival (espetáculo integrante de um conjunto de sete datas em que as quatro bandas partilharam o cartaz), foram transmitidas na íntegra, em direto, para 450 cinemas norte-americanos equipados com tecnologia de alta definição e áudio surround, bem como para salas selecionadas com as mesmas características no Canadá e alguns países da Europa e América Latina.

O espetáculo viria a resultar no já referido documentário The Big 4, tendo passado em cinemas de vários países, Portugal incluído (a 27 de Outubro), somando lotações esgotadas mundo fora. As diferentes versões do DVD constituem um sucesso de vendas e novas datas ao vivo estão a ser negociadas, havendo já um espetáculo confirmado para os Estados Unidos.

Portugal: um caso atípico?Surpreendentemente, e contrastando com o fenómeno global, a ocupação da sala do cinema Alvaláxia onde assisti à exibição do filme não chegou aos 2/3 da capacidade, o que me faz colocar sérias reservas quanto à viabilidade financeira destas sessões em Portugal. Se as quatro maiores bandas thrash do mundo não vendem bilhetes de cinema suficientes para encher uma sala lisboeta – e se tivermos em atenção que os Metallica atravessam novamente um momento de enorme popularidade, esgotando qualquer estádio onde atuem - que taxa de ocupação dos cinemas caberia à eventual exibição de Lemmy, sabendo nós que em termos comerciais os Motörhead não podem rivalizar com o grupo de James Hetfield?

Aliás, estou certo que a não exibição deste documentário em salas portuguesas estará diretamente relacionada com o relativo flop comercial deThe Big 4 em Lisboa. Sei que muitos terão preferido fazer o download ilegal do filme ou vê-lo em partes no Youtube, mas então como explicar as salas esgotadas Mundo fora? A resposta a bizarra situação residirá na tese simplista de que os portugueses preferem o conforto do sofá à intensidade do convívio social, que tantas vezes explica o cenário desolador dos concertos mais underground? É possível. Talvez a inércia do público induza os agentes económicos lusos a não arriscar, inviabilizando e ad eternum a realização em Portugal de um evento como o “Heavy Metal Film Festival” (http://www.facebook.com/pages/Heavy-Metal-Film-Festival/155109951193373), a ter lugar entre 31 de março e 3 de abril no Downtown Independent Cinema, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Se o comportamento dos fãs em termos de consumo não se alterar radicalmente, a organização em Portugal de eventos análogos permanecerá inviável. Sabendo nós o que perdemos, é muito triste.

Dico

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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