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Precariedade financeira ou moral?

Quando comecei a extravasar a minha paixão pelo Heavy Metal para lá do que seria talvez razoável - ser mero fã, ter uma banda e uma fanzine – pensei que seria algo altruísta e de uma efectiva utilidade pública. Falo da organização de espectáculos. Acreditava agora numa verdadeira forma de promover bandas e artistas, para além do mero boca-a-boca (fã) e das inúmeras entrevistas, reviews e notícias redigidas (SounD(/)ZonE). Contados cinco anos de aventuras neste contexto, de muito planeamento, consternações e alegrias (muitas mesmo), chego à clara e irrefutável conclusão de que a comunidade metaleira local não merece o esforço.


Nada disso será surpreendente se considerarmos que a quantidade de festivais de Metal nos Açores, sobretudo com bandas estrangeiras e continentais, é ínfima, portanto, as expectativas em relação aos mesmos são enormes e com isso acumulam-se também muitas desilusões na hora de conhecer os cartazes. Porém, para quem está nisto de espírito aberto e consome Metal como se fosse pão para a boca, qualquer oportunidade de ver um festival de grandes dimensões, mesmo que sem poder ver a sua banda favorita, deveria ser motivo de celebração. Isso seria a lógica. Contudo, é o espírito fechado, autoritário e corrosivamente crítico que reina nestas recônditas instâncias atlânticas (re)descobertas por Gonçalo Velho. Pensar que quem arrisca o constrangimento e o trabalho inerentes à organização de um espectáculo, por menor que seja, e até nem o faz para ganhar dinheiro (pois é algo basicamente utópico nos Açores), tem constantemente que ver e ouvir comentários depreciativos sobre aquele tal gesto altruísta, só pode chegar à conclusão de que o esforço é inglório e imerecido.

Se o status e o dinheiro de quem organiza espectáculos de Metal nos Açores valesse de alguma coisa até seria um tanto ou quanto suportável, mas para quem o faz sem reservas apenas para satisfazer o espírito pessoal e colectivo, tornam-se tremendamente injustos os argumentos levantados que não são mais do que apedrejamentos baseados numa tremenda falta de bom senso e noção da realidade.

Se para a comunidade local acaba por ser inevitável que já conheçam o meu trabalho e personalidade, também se percebe que é comum nessas andanças criarem-se inimizades e atritos. A discussão coerente e cordial de argumentos seria fundamental para que capítulos tristes como os que já vivi fossem evitados. Não entrei para o Metal para fazer amigos, mas para tentar satisfazer um gosto fervoroso e dar o meu contributo, do mais simples ao mais rebuscado, para o fortalecimento deste movimento. Portanto, acho que a noção de “tribo metaleira” só existe quando as pessoas são frontais e honestas entre si e não sobrepõem os seus interesses ao interesse de um movimento, neste caso musical/cultural.

Parece tudo muito simples, mas há que haver lucidez e capacidade para avaliar as situações. Devemos aceitá-las ou recusá-las consoante as nossas convicções, mas ao recusá-las devemos saber como dar-lhes a volta, oferecer alternativas. Os Açores têm handicaps fortíssimos e acho que a essa altura do campeonato não há razões para ilusões. Todo o seu hipotético crescimento terá como “mãe” de todas as bases a união e harmonia entre todos os seus sectores e intervenientes.

Toda esta conversa para expressar a minha total incredulidade quando vejo verdadeiros ícones do Metal local a invocarem teorias surrealistas sobre o suposto correcto mecanismo cultural que devia vigorar nos Açores. Em recente entrevista num jornal local, depois já de uma (no mínimo) dura discussão num fórum da especialidade, Ricardo Santos (vocalista/baixista e veterano líder dos Morbid Death) chama de novo à atenção (nunca sei bem a quem, por isso mesmo incluo-me também) que “é pena que seja dada primazia às bandas de fora” e que “preferem pagar aos artistas de fora para virem cá quando há excelentes músicos aqui”. Concordo plenamente que “temos excelentes valores” e que “todos merecem respeito no seu estilo”, mas não consigo vislumbrar o fundamento de se deixar de organizar festivais com artistas externos à região, concretamente aqueles com maior projecção, quando são esses que arrastam maior número de pessoas e logo (!) é benéfico para todos os que a ele estiverem agregados.

Assim à primeira apetecia-me perguntar se não foi positivo tocar para largas centenas de pessoas ao lado dos Paradise Lost. E provavelmente é daqueles concertos que uma banda local nem impõe qualquer tipo de condição logística nem financeira. Pergunto-me se a abastada organização apoiada pelo Governo não teve também condições para pagar um cashet chorudo às bandas locais. Teria lógica. Só não tem tanta lógica se pensarmos que as largas centenas de pessoas presentes não estavam lá para ver as bandas locais, nem os milhares de euros investidos seriam recuperáveis mesmo que as centenas de pessoas pagassem uns “abomináveis” 10€. Havia a consciência de que aquele era um mero acto promocional (para não lhe chamar propagandista) com prejuízo para o dinheiro dos contribuintes (reprovável de qualquer forma), mas para que no mínimo funcionasse havia a necessidade de se encher a casa. O pequeno “mexilhão” deve perceber nestas alturas o preço justo a cobrar, sobretudo pela mais-valia que pode ou não representar para um evento. E basta umas conversas com amigos ou trocar uns telefonemas ou emails para saber que custos implicam um espectáculo de grandes dimensões como foi esse. Se já não se pagariam as contas com os tais 10€ (ou com mais um ou outro patrocínio), imagine-se se tirássemos de todos os cartazes as “perigosas” bandas que ameaçam o lugar das bandas locais? Tocariam para quantas centenas? E o público estará disposto a ver quantas vezes as bandas locais ao longo do ano?

Não vejo fundamento, pelo menos no âmbito do Metal, que se impute a precariedade das bandas ao facto de se pagarem “fortunas” às bandas estrangeiras para tocarem nos Açores. Muito menos quando a frequência de actuações é irrisória.

Há que perceber e aceitar que os problemas do Metal açoriano são outros, e muitos deles baseados em condições circunstanciais impossíveis de reverter. Todavia, mantenho-me convicto de que com estratégia, competência, talento e força de vontade para arriscar muitos dos problemas serão amenizados.

Cabe a todos chegar-se à frente e apresentar soluções realistas. Da minha parte, espero continuar a honrar os “estatutos” do Metaleiro com aquilo que me é suposto fazer e até o que não é suposto. É que, modéstia à parte, posso dizer que me sinto orgulhoso pelo que já pude oferecer a essa região e, sobretudo, a uma nova geração que cresceu a ver mais do que já se via há vinte anos atrás.

Nuno Costa

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