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Breve História do Metal Português

"Breve História do Metal Português" - Parte 2 - Os anos 70 
"Breve História do Metal Português" - Parte 3 - Os anos 80 (Tomo 1 e Tomo 2)
"Breve História do Metal Português" - Parte 4 - Os anos 90 

Parte 1 – Os anos 60

Com este texto inicio a publicação de uma série de quatro em que irei relatar a génese do Metal português nos próximos meses, de forma breve mas sem prejuízo do rigor e qualidade da informação. Cada prosa incidirá numa década específica, iniciando-se o relato nos anos 60 e terminando em meados dos anos 90. Por motivos de contextualização histórica, a introdução do presente texto será necessariamente longa.

POP FIVE MUSIC INCORPORATED
Ao contrário do que inúmeros fãs julgam (e muitos deles não tão jovens quanto isso), induzidos em erro pela ignorância persistente de alguns pseudo-gurus da Música Portuguesa, a génese do Metal português não reside na década de oitenta. Não. Com efeito, há toda uma vasta história pré-anos 80 escrita a sangue, suor e lágrimas por grupos (então designados conjuntos) cuja existência deve ser lembrada e preservada. É isso que me proponho fazer ao longo dos próximos quatro artigos.

Na década de 60, bem como nas anteriores, vivia-se um ambiente social sufocante no país. O regime autoritário de Salazar, instaurado em 1933, havia isolado Portugal em termos internacionais, mergulhando-o no analfabetismo e condenando-o a um atraso profundo a nível político, social, tecnológico e cultural. As condições de vida revelavam-se extremamente precárias, grassando a pobreza e, não raramente, a fome e a miséria.

Centenas de milhares de pessoas viam-se forçadas a emigrar em busca de uma vida melhor. A 4 de Fevereiro de 1961 iniciava-se em Angola a Guerra Colonial Portuguesa, que só viria a terminar com a revolução de 25 de Abril de 1974.

A música da época
À época a influência de manifestações culturais provenientes do exterior não era bem vista mas fazia-se sentir com algum impacto na sociedade, embora a Censura se esforçasse para reduzir ao mínimo essa influência. Ver espectáculos de artistas estrangeiros ou comprar os seus discos constituíam objectivos praticamente impossíveis de alcançar no Portugal dos anos 60. Boa parte dos poucos vinis disponíveis entre portas era trazida do exterior pelos nacionais com maior poder financeiro para visitar outros países e lá adquirir produtos culturais.

A indústria discográfica praticamente não existia em Portugal. Os conteúdos da televisão nacional, fundada a 15 de Dezembro de 1955 como RTP – Radiotelevisão Portuguesa, SARL mas que só iniciaria as emissões regulares a 17 de Fevereiro de 1957, reflectiam a insipiência de um projecto pouco mais do que embrionário. Assim, todas as expectativas de divulgação cultural eram depositadas na rádio, que desde 1925 funcionava em Portugal.

De facto, no éter promoviam-se e divulgavam-se concursos (“O Rei da Rádio” ou “Caloiros da Canção” fizeram história), numa tentativa de abertura à modernidade. Programas como “23ª Hora” e “Clube das 10”, ambos da Rádio Renascença; ou “Em Órbita”, do Rádio Clube Português (RCP), deram a conhecer nomes que se tornariam grandes na música portuguesa, expondo ao atrasado Portugal a modernidade possível.

Musicalmente reinava o fado, os ranchos folclóricos e o Ié-Ié (também conhecido como Yé-yé), versão portuguesa do Rock’n’Roll que, por via de Elvis Presley ou dos The Beatles inflamava multidões histéricas em todo o Mundo. Em Portugal, o boom do género traduzir-se-ia na formação de mais de 300 agrupamentos (no início da década lançava-se o primeiro EP de Ié-ié nacional com Daniel Bacelar no lado A e Os Conchas no lado B). Muitos conjuntos vêem-se obrigados a abandonar a música para os seus elementos ingressarem no Serviço Militar Obrigatório (SMO), reforçando o esforço de guerra português. Muitos não regressam, outros fazem-no profundamente marcados a nível físico e psicológico. Infinitamente mais afortunados, outros músicos, provenientes de famílias com maiores recursos financeiros, optam por estudar no estrangeiro para fugir à guerra.

Com efeito, a enorme popularidade do Rock’n’Roll justifica a realização do I Concurso Yé-Yé, entre 28 de Agosto de 1965 e 30 de Abril de 1966, no Teatro Monumental, em Lisboa (a segunda edição aconteceria dois anos mais tarde no Cinema Império, também na capital). A par do Festival da Canção, o certame constituiu indiscutivelmente uma das mais relevantes manifestações musicais dos anos 60 em Portugal. Com efeito, os espectáculos não abundavam. Na época os grupos de Baile predominavam, fazendo o circuito dos arraiais populares e, mais tarde, das festas de finalistas dos liceus. Não existia a figura da demo-tape, ou maqueta, enquanto produto comercializável, sendo o single de vinil o formato preferencial para chegar ao público, seguido do LP.

A segunda metade dos anos 60 portugueses tornou-se mais política e interventiva, musicalmente falando. A Guerra Colonial encontrava-se no apogeu e a 27 de Setembro de 1968 Marcello Caetano substituía Salazar como Presidente do Concelho de Ministros. Corroída e podre, a ditadura auto-consumia-se. De acordo com Luís Pinheiro de Almeida na edição 41 da Blitz, "ao contrário do início da década, onde a rádio foi dominante na produção da música portuguesa, no final da década, esse papel determinante coube sobretudo à televisão, designadamente ao ZIP-ZIP que, de Maio a Dezembro de 1969, deu a conhecer, por entre as malhas da censura e a asfixia democrática, os chamados baladeiros (Manuel Freire, José Jorge Letria, Francisco Fanhais, Nuno Gomes dos Santos, José Barata Moura) quer em imagem, quer em disco." Estava encontrada a fórmula para que, na década seguinte, cantautores de intervenção como os referidos, a par de José Mário Branco, Sérgio Godinho, Zeca Afonso, José Jorge Letria ou Luís Rego retratassem nas suas letras, de forma inteligente (mas com frequência imperceptível para uma censura ignorante) o estado de um país farto de repressão. Antes disso, ainda, o Rock começava a assumir outras formas…

THE PLAYBOYS
O embrião do Heavy / Hard Rock nacional
Os THE PLAYBOYS, formados pelo então guitarrista Júlio Pereira – mais tarde famoso a solo na área da Música Popular Portuguesa – terão sido pioneiros nacionais do Rock Psicadélico de orientação tendencialmente mais pesada. Constituídos em 1966 atravessam diversas formações. Além de Pereira, o núcleo duro inclui ainda Jorge Sebastião (baixo), Sérgio Spínola Gonçalves (teclados) e João Seixas (bateria, voz), principal compositor do grupo. O quarteto ainda grava um single com os temas «Because I Hate You» e «Little Rosy», que alegadamente nunca chegou ao mercado. Hoje, os The Playboys são considerados por alguns especialistas um “bastião do Hard Rock” luso.

No final de 1967, formam-se os POP FIVE MUSIC INCORPORATED (Myspace), constituídos por Paulo Godinho (voz principal, guitarra e teclados, irmão de Sérgio Godinho), António José Brito (baixo e voz, mais tarde conhecido como Tozé Brito, senhor de longa carreira musical e posteriormente executivo da Universal Music e Polygram), Luís “Pi”Vareta (guitarra e voz), David Ferreira (órgão Hammond, piano e voz), e Álvaro Azevedo (bateria, futuro Arte & Ofício e Trabalhadores do Comércio).

Um dos primeiros grupos nacionais a gravar em estereofonia, os Pop Five Music Incorporated actuam “principalmente no Porto, em bailes de estudantes e arraiais de Verão, e mais tarde em Lisboa e Coimbra, apresentando um repertório que incluía versões dos êxitos pop-rock anglo-americano, referem António Tilly e Miguel Almeida no 3º Volume da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX. Entre essas versões, sujeitas a uma interpretação própria, não se limitando à cópia pura e simples, encontravam-se temas dos Bee Gees, The Beatles, Creedence Clearwater Revival, Spencer Davis Group,Traffic ou George Harrison.

Após a edição do EP Those Where the Days com algumas dessas versões a banda aproxima-se estilisticamente do Blues, do Rock Psicadélico e do Rock Progressivo, passando a incluir no seu repertório temas dos Deep Purple, Procol Harum e adaptações ao Rock de peças clássicas do período barroco como a cantata BWV 147 de Bach. Entre outras, o álbum A Peça (1969) inclui versões de «Fire» (Jimi Hendrix) e «Hush» (de Joe South, popularizada pelos Deep Purple). Em 1969 o vocalista / guitarrista António “Tony” Moura, dos Psico, colabora ao vivo com a banda.

Inspirado na Soul Music, o tema «Page One» torna-se o maior êxito do grupo, antes de Tozé Brito abandonar a favor do Quarteto 1111, passando Varela a ocupar-se do baixo. Em 1969 Miguel Graça Moura (instrumentos de teclas, actualmente conhecido maestro) ocupa o lugar de David ferreira, encarregando-se da direcção musical do grupo. A integração no repertório de temas de Jeff Beck, Chicago ou Blood, Sweat & Tears contribui para a aproximação estilística ao género musical que viria a ser conhecido por Hard Rock, não sem que algumas influências progressivas se distingam. A crescente popularidade da banda torna-a a principal atracção das festas estudantis e dos arraiais populares.

Em 1971 a banda ruma aos estúdios da Pye Records, em Londres, onde grava vários temas originais editados em single nesse ano e no seguinte pela Orfeu / Arnaldo Trindade – AT, a sua editora de sempre. Dessas composições destacam-se «Stand By» e «Orange» (segundo êxito da banda), ambas numa linha claramente Hard Rock influenciada pelos Led Zeppelin, Uriah Heep ou Deep Purple. A actuação no Festival de Vilar de Mouros constitui um dos pontos mais altos da carreira do grupo, bem como a participação em programas televisivos como o “Zip-Zip”, em 1969; ou o “Pop 25”, em 1971. O não seguinte marca o fim da banda, que a 3 de Janeiro de 2003 reúne a formação original para um espectáculo na discoteca Estado Novo, no Porto. A gravação do concerto pode encontrar-se em formato DVD como bónus da dupla compilação em CD Odisseia – Obra Completa 1968-1972, lançada em 2004 pela Movieplay e que engloba toda a discografia do grupo, bem como alguns inéditos captados em Londres.

OBJECTIVO
Também os OBJECTIVO (Myspace) surgiram no final dos anos 60, incluindo na formação original Tó Gândara (guitarra), Luís Filipe (guitarra e teclados), Zé Nabo (baixo) e Mário Guia (bateria). Pouco depois, o escocês Mike Seargent e o norte-americano Kevin Hoidale substituem Gândara e Filipe. Em 1969 a banda lança pela Sonoplay um EP com os temas «At Death's Door», «A Place In The Sun», «Gin Blues» e «I Know That», após cuja edição Mário Guia cede o lugar ao já então mítico baterista Zé da Cadela. Com a nova formação os Objectivo editam o primeiro disco stereo em Portugal, o single com os temas «The Dance of Death» e «This Is How We Say (Goodbye)». A 8 de Agosto de 1971 a banda actua na primeira edição do Festival de Vilar de Mouros com grande êxito.

Contudo, as mudanças de formação tornam-se regra e Mike Sergeant abandona, sendo sucessivamente substituído pelos norte-americanos Dick Stubbs, Bas Richie e Jim Cregan, gravando então o single Glory. Cregan cede o lugar a Terry Thomas e Guilherme Inês substitui Zé da Cadela. Mike Sergeant ainda regressa ao grupo para gravar o single Music / Out of the Darkness mas os Objectivo encerram funções pouco mais tarde. Para a posteridade ficou ainda a compilação de 2009 Out of Darkness - Anthology 1969-72.

Os Objectivo terão sido pioneiros numa abordagem lírica mais obscura, patente em temas como «At Death’s Door», «The Dance of Death» ou «Out of the Darkness», fundindo a herança The Beatles com as estéticas do Rock Psicadélico, do Heavy Rock a espaços, do Blues e do género que viria a ser conhecido nos anos 70 como Rock Progressivo. Aliás, o pesado riff inicial de «Out of the Darkness», tipicamente AC/DC, composto e gravado em 1972 - um ano antes de o grupo australiano se formar – revela bem que os Objectivo estavam à frente do seu tempo.

Por outro lado, segundo João Carlos Callixto, do blogue bissaide, em 1968 os Espaciais participam no I Concurso Académico de Música Moderna, chegando ao segundo lugar. No ano seguinte voltam a concorrer ao certame, assumindo para o efeito a designação PSICO (ouvir single) e conquistando a ansiada vitória (ler artigo). Porém, Miguel Almeida e António Tilly referem no 3º volume da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX enunciam datas diferentes da realização do concurso, bem como a designação deste e até a posição classificativa da banda no segundo certame. Com efeito, na página 106 referem que “O grupo participou no I Festival Yé-Yé (Lisboa, Teatro Monumental, Abr. 1966 [NR: referido na contextualização histórica deste artigo]), obtendo o segundo lugar. Em 1968 concorreu à segunda edição deste evento (Cinema Império, Lisboa), já com a designação Psico, obtendo o segundo lugar.”

Liderados por Tony Moura (considerado o melhor vocalista português da época na área do Rock, além de tocar guitarra) os Psico em início de carreira eram ainda constituídos por Vasco Moura (baixo), José Calvário (teclados) e Álvaro Marques (bateria), tocando em palco versões fiéis de bandas como os Led Zeppelin, Deep Purple, Yes, Grand Funk Railroad, Uriah Heep, The Doors ou Pink Floyd.

Além dos ginásios de liceus os Psico fazem do Coliseu do Porto, na abertura do concerto dos belgas Wallace Collection, em 1970, e do Festival de Vilar de Mouros, no ano seguinte, os seus mais importantes palcos. Em 1973 o grupo junta-se aos Pentágono, formando os Psicágono, mas um ano mais tarde regressa à designação original. Até 1975 verificam-se algumas alterações de formação, tendo actuado na banda músicos como António Garcez (voz), Fernando Nascimento (guitarra) e Sérgio Castro (baixo), que nesse ano formam os Arte & Ofício.

PSICO
Já com Gino Guerreiro (baixo) e José Carlos Almeida (teclados) na banda, os Psico iniciam a composição de repertório original baseado numa sonoridade tipicamente Prog Rock mas preservando as influências Hard. A utilização de meios tecnológicos arrojados, quer em termos cénicos quer sonoros, eleva a banda a um novo patamar de profissionalismo.

Com a morte de Guerreiro em 1976 devido a doença prolongada ingressa na banda Filipe Mendes. Em homenagem ao companheiro o grupo escreve o longo tema «Epitáfio Sinfónico», apresentado em dois concertos no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, sob o epíteto Epitaphium Sinphonicum. De «Epitáfio Sinfónico» é retirado o excerto «Al’s» para edição no formato de single, em 1977, sob a designação Epitáfio. A banda encerra funções ainda nesse ano.

Dico

Um agradecimento muito especial ao Afonso Cortez, do blog Música Eléctrica a Preto e Branco, por todo o apoio.

Fontes consultadas em papel:
Memórias do Rock Português
, volumes 1 e 2, Aristides Duarte
Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, volumes I, II, III e IV
Nº 41 da revista “Blitz” (Edição Especial)
Revista Rock Power nº 18, Novembro de 1992

Fontes online:
Pop Five Music Incorporated in Wikipédia
Guerra Colonial Portuguesa in Wikipédia
Televisão em Portugal in Wikipédia
Rádio e Televisão de Portugal in Wikipédia
Rock em Portugal
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